Geral

Entrevista

Reflexões sobre o Racismo Estrutural e suas implicações na sociedade brasileira

Especialista em terapia cognitiva comportamental sede entrevista para o Em Tempo Notícias sobre a questão mais delicada da sociedade.

Por Ricardo Lima 01/04/2024 15h03
Reflexões sobre o Racismo Estrutural e suas implicações na sociedade brasileira
Livia Marques, psicóloga. - Foto: Cortesia

Para além das máscaras de um país da diversidade, somos diariamente surpreendidos por cenas de discriminação e ódio, normalizadas pela mídia hegemônica e institucionalizadas pelas estruturas sociais. O racismo estrutural manifesta-se na sociedade de forma trágica e as pessoas negras, pobres e de periferia são as maiores vítimas, invisibilizadas por sua condição econômica construída por 350 anos de escravidão.

“ No Brasil, é possível perceber esse movimento de forma forte, inferiorizante, desumana em relação à população negra. Caso pensemos no processo de colonização do país, há uma história de perceber e ter-se pessoas negras de forma em que se perde a humanidade. Pensando na sociedade brasileira, é absurdo como o racismo estrutural se propaga como base na construção da história brasileira” comentou em entrevista ao Em Tempo Notícias a psicóloga clínica, especialista em terapia cognitiva comportamental, Livia Marques.

Estudiosa em relações raciais e saúde mental negra e autora de livros, nessa rápida entrevista, Marques expõe os impactos psicológicos causados pelo racismo na sociedade, o papel da psicologia comportamental no tratamento desse mau social e que estratégias utilizar para lidar com os traumas por ele causados.

Quais são os impactos psicológicos do racismo estrutural na vida das pessoas afetadas? Como isso influencia sua saúde mental e emocional?


Livia Marques -
Como dito anteriormente, o racismo como base da construção social também dita comportamentos. Pensando em quem são as pessoas que, em sua maioria, possuem oportunidades e possibilidades de viver e viver bem, pessoas negras normalmente não estão em lugares de tomada de ação, por exemplo. E, pensando nisso, não estamos pensando em apenas um ou dois, mas em quantas pessoas negras estão nesses espaços de decisão, tendo possibilidade de construir para seu coletivo que tanto foi e é apagado e morto.

A morte quando trago não é apenas pensando na bala, pois este é um dos últimos processos. Mas o quanto o racismo silencia e o quanto o lugar em que o famoso e tão explendidamente escrito por Cida Bento em livro, o Pacto da Branquitude, é colocado em prática em pequenas ações do dia-a-dia que se tornam grandes. Há de se pensar em como muitos de nós entra num estágio de atenção grande ao se entrar numa loja para comprar algo. Quantos de nós apenas paralisamos numa ação policial. Quantas mães negras se veem adoecer todos os dias só por ter de explicar ao filho o quanto o racismo pode ser voraz com sua existência e viver. Os índices de depressão e ansiedade são altíssimos na população negra, ao pensarmos o quanto a saúde mental, por vezes, não leva em consideração a história e contexto.

Como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode ser aplicada para ajudar indivíduos a lidar com as consequências do racismo estrutural em sua vida cotidiana?


Livia Marques -
Primeiramente, tendo espaço para diálogos e construções. Não se negando ao fato e real, infelizmente, da existência do racismo.

Posso abranger cada vez mais ao pensar em como a saúde mental dialoga ou não. Estudando e não fazendo epistemicídio da escrita e pesquisa de colegas negros que realizam suas pesquisas e produções.

A TCC trabalha muito com Modelo Cognitivo, mas dentro desse modelo precisamos ter letramento racial, para entender se essa pessoa que estamos atendendo está disponível para dar seguimento ao próprio processo do tornar-se. Algo que sempre trago é que precisamos ter consciência racial. Mas é importante entendermos como estamos para estar no coletivo. O cuidado individual precisa acontecer para estarmos no coletivo e assim vice e versa.

Em qualquer abordagem da Psicologia é necessário a disponibilidade do profissional.

Na sua opinião, como a máquina de ódio estatal contribui para a perpetuação do racismo estrutural no Brasil? Quais são os principais mecanismos através dos quais isso ocorre?

Quem deseja que a coisa mude? Será que há interesse?

Acredito que, dentro dessas duas perguntas, parte disso já nos responderá.

Violência, falta de políticas de moradia e saneamento. Crise climática: quem mais sofre? Opressão, falta de condições de vida e sucateamento dos serviços e corrupção. Quem são as pessoas que têm ceifados seu direito ao viver?


Livia Marques -
Dizem que profissionais de Psicologia não falam sobre política. Será? Ou é sobre manter o sistema? Somos, todos nós, corpos políticos, de mudança e atuação social no dia-a-dia como individual e coletivo. Então estamos diretamente ligados a isso.

Que papel as instituições estatais, como o governo e as forças policiais, desempenham na perpetuação do racismo estrutural? Como isso afeta a confiança das comunidades marginalizadas nessas instituições?

Mais um momento em que trago uma pergunta. OK?

Será que não vivemos num mundo em que estamos num efeito dominó?

Auto-ódio, controle de corpos. E quem pode viver?

E o quanto de infeliz, angustiante e ansiogênico não é para muitos moradores de comunidades marginalizadas? Quantas mães choram e sofrem?

Não é sobre não-combate. Mas é como é realizado. A bala vai matar e vai ferir. Mas quantos são esses profissionais de segurança que são abatidos pela violência? Quantos são os filhos que morrem? Que investimento é esse que existe? Educação, saúde, moradia, alimentação e saneamento.

Tive um professor na antiga 5ª série do 1º Grau, o qual dizia que nós precisamos de saúde, saneamento, alimentação e escola como pilares. E isso foi há mais de 20 anos. Hoje a questão permanece.

Quais são as estratégias psicológicas eficazes para lidar com o trauma resultante da violência racial e do racismo institucional?


Livia Marques -
Coletividade e fortalecimento de nossas potências. Dias desses, conversando com minha sogra percebi nela um "que" de desesperança, pois são tantas as violências físicas e mentais de uma sociedade racista. Converso com meus "erês" todos os dias e, às vezes, cansa. A ansiedade bate. E perceber como estamos nos movimentando e cuidando é importante.

Música, possibilidades de trocarmos experiências com os nossos, não apenas de dor, mas de resoluções, do acarinhar, do amar.

A minha prática como profissional da Psicologia sempre vai muito dentro da psicoeducação, de como cada um entende sua forma de agir e se comportar frente aos momentos com maior desorganização e dor. Mas, também, de comemorar as conquistas (como eu comemoro).

Como as práticas terapêuticas podem ser adaptadas para atender às necessidades específicas de pessoas que enfrentam discriminação racial sistêmica?


Livia Marques -
Como eu trouxe aqui anteriormente. O profissional precisa entender seu próprio processo de letramento racial e de consciência racial pois, assim, poderemos trazer possibilidades dentro da história de cada uma dessas pessoas que, por vezes, foi invalidada por outro profissional.

Quantas são as vezes que escuto :"A última pessoa profissional de Psicologia que me atendeu dizia que era bobagem ou era coisa da minha cabeça essa coisa de racismo"

Eu já passei por isso, sim, quando adolescente. E sei muito bem o quanto isso foi cruel no meu silenciamento da dor.

Qual é a importância da conscientização e da educação sobre o racismo estrutural na luta contra a desigualdade racial? Como a psicologia pode contribuir para esse processo?


Livia Marques -
Letramento e/ou se educar todas as pessoas podem fazer isso. Fato! Mas quem realmente deseja fazer essa mudança? Novamente, lembra do pacto da branquitude? É também sobre isso.

É importante, pois dessa forma podemos dialogar e nos disponibilizarmos para aprender e refletir sobre nossas próprias mudanças que precisam ter ações reais.

A Psicologia é uma ciência que contribui com a saúde de toda uma sociedade, trazendo esse diálogo de forma que atinja todas as pessoas. E possibilitar também entrar em contato com as próprias emoções.

Quais são os desafios enfrentados por psicólogos e profissionais de saúde mental ao abordar questões relacionadas ao racismo estrutural em suas práticas clínicas?


Livia Marques - 
O racismo é voraz. E também a resistência a desqualificação e silenciamento de nossos estudos. Mas, hoje, estamos dando continuidade aos nossos ancestrais que não deixaram de lutar para que nós estivéssemos aqui hoje.

Por fim, que medidas você considera essenciais para combater o racismo estrutural e promover a equidade racial no Brasil, tanto em nível individual quanto institucional?


Livia Marques -
Termos mais pessoas negras em espaços de decisões por uma coletividade. Darmos seguimento ao processo de diálogos e construção entre nós e entre outros espaços.

Outro ponto: Se há programas de lideranças negras, não é sobre um ou dois, pois cansa e adoece ser o negro único.

Nós precisamos agir em coletividade e, nesses espaços, acolhermo-nos sempre.

O cuidado com nossa saúde mental é de extrema importância, seja na saúde pública ou nos consultórios particulares, seja nas empresas ou nas escolas. Onde for!

E perceber que, às vezes, não estamos bem e a necessidade de cuidado será importante, acolher-se e ser acolhido e ter o cuidado. Para, depois, retornar ao coletivo e ao "front". E, assim, vamos fazendo a gira acontecer.

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