Blog do Hayton

e outros casos” (2021) e "Frestas" v(2022).

A coleira invisível

28/08/2025 11h11
A coleira invisível

Terça-feira da semana passada, sete e meia da manhã. Ouvi de longe ela conversando com a amiga por videochamada. A voz era trêmula, mas com aquele tom de quem pede socorro e, ao mesmo tempo, espera compaixão:

– Depois do que passei, já dei por encerrados os Halloweens deste e dos próximos anos! Quase infarto ou sofro um AVC...

– O que aconteceu, criatura? – perguntou a amiga, já imaginando luzes e sirenes cortando o ar, ambulância, bombeiro e polícia disputando espaço na rua.

– O “Velho” iria participar de uma reunião. Chamei o neto pra caminhar, ele não quis. Fui sozinha. No meio do caminho, dois cães enormes – um boxer e um rottweiler – me atacaram, latindo alto e salivando. Paralisei. Só deu tempo virar de costas e rezar três segundos pra Nossa Senhora de Guadalupe levar minha alma pro céu, sem escalas.

padroeiro oficial das caminhadas no vale de lágrimas.

E fomos. O sol já atiçava o verde das árvores do condomínio, e os cães, indiferentes, cochilavam sob a sombra, quem sabe rindo do susto que haviam causado.

Olhei para ela e pensei: há perigos maiores do que boxers e rottweilers. O maior deles é viver sem se dar as mãos, sem fé na coleira invisível que nos protege da pior das feras: a solidão. 

E ali, no intervalo entre o susto dela e minha bravata mal ensaiada, pensei: cães latem, mordem e se cansam. O tempo, não. É o único rottweiler que nunca cochila — e quando avança, não há apito, cerca, coleira ou oração que o segure.