Blog do Hayton

e outros casos” (2021) e "Frestas" v(2022).

Em nome do mau cheiro, amém!

06/08/2025 12h12
Em nome do mau cheiro, amém!

Só me faltava essa! Christine Connell, influenciadora digital norte-americana, viralizou nas redes sociais, no mês passado, ao garantir que passou sete anos sofrendo com uma infecção crônica nos seios nasais causada por um pum próximo ao rosto. Isso mesmo: flatulência facial. Uma bufa com mira certeira.

Segundo a moça, tudo começou quando, recuperando-se de uma cirurgia no tornozelo, cochilava num quarto de hotel ao lado do então namorado. O rapaz, tomado por uma emergência intestinal incontrolável, soltou aquilo que os antigos chamavam de "vento ruim". E bem perto do rosto da amada.



Daí em diante, dores faciais, congestão nasal permanente e infecções recorrentes. Nem o velho e confiável Vick Vaporub, disponível nas melhores prateleiras do mercado farmacêutico, aliviava o desconforto. Foi assim que começou a via-sacra por consultórios médicos e exames dignos de enredos de ficção científica.



Até que, numa dessas jornadas diagnósticas, um laboratório revelou o mistério: Escherichia coli — a popular E. coli — instalada nos confins das vias respiratórias da jovem. Uma bactéria nativa das vísceras agora promovendo intercâmbio cultural nas cavidades paranasais. A equação foi montada em segundos: do cólon dele ao nariz dela, voo direto, sem escalas, sem visto alfandegário nem pedido de desculpas.

Quem sou eu para me meter com essas trocas gasosas conjugais? Sei apenas que, durante longas convalescenças, muitos casais dormem como cartas de baralho: valete, dama ou rei, cada cabeça para um lado. E, nessas posições alternativas, o inesperado costuma bater ponto com razoável frequência, muitas vezes servindo até de despertador em plena madrugada. 

Não sou totalmente leigo no assunto, claro. Posso afirmar que já vi casamentos terminarem por muito menos — e com bastante barulho no tribunal. Quando não há filhos em disputa, bens a dividir ou pensão para reivindicar, abre-se espaço para o que chamo de litigância olfativa. Inventa-se uma tragédia bacteriológica com apelo emocional e potencial indenizatório digno de um seriado de TV explorando o universo jurídico.

Ouvi de um patologista clínico amigo meu, dos mais confiáveis e discretos — daqueles que jamais postariam um parecer no Instagram — que gases intestinais não transmitem bactérias. A E.coli, segundo ele, provavelmente veio de ambiente hospitalar ou de alguma intercorrência pós-cirúrgica. Mas a moça sustenta sua versão original com fervor evangélico. E, convenhamos, isso rende bem mais curtidas que qualquer boletim técnico da Organização Mundial da Saúde.

Desde então, virou sacerdotisa da higiene nasal. Espalha tutoriais sobre lavagem com soro fisiológico, prega vaporizadores e compartilha sua via-crúcis respiratória como quem revela a terceira parte dos segredos de Fátima. Seus seguidores se dividem entre o ceticismo clínico e a fome por escândalos — que, diga-se, rende mais que barris de petróleo em tempos de guerra no Oriente Médio.



Não vou negar, ando apreensivo com o precedente. Vai que a moda pega e os tribunais passem a julgar flatulências litigiosas? Já vislumbro cláusulas contratuais em futuros casamentos: “As partes concordam que odores involuntários emitidos no convívio não constituem ofensa nem justificam pedido de indenização, salvo se...”



E olha que tem odores pra todos os desgostos. Um bafo matinal já basta pra azedar o café da manhã — às vezes, nem “bom dia” salva. Dentista resolve? Talvez. Fio dental, um chiclete e muita fé. O chulé, então, muda o microclima do lar e, em casos graves, exige intervenção médica — ou exorcismo. Já o temido combo dos horrores — bafo, bufa, chulé, precedidos de um arroto — constitui uma amostra grátis dos confins dos infernos.



Mas se cada micróbio da vida a dois for parar no tribunal, com laudos técnicos, perícias olfativas e vídeos explicativos, nosso Judiciário — que já tropeça com ações de guarda, alimentos e xingamentos via redes sociais — vai implodir. Estaria vindo aí o Direito dos Sentidos, com varas específicas para flatulências, hálitos, secreções e outras intimidades litigiosas.

Para os casos mais cabeludos, talvez se convoque uma junta formada por dentistas, otorrinos, podólogos e psicanalistas. E, quando tudo mais falhar, que se chame um padre — porque tem situações em que só reza brava dá conta dessa biodiversidade.

Melhor rir antes que algum juiz aceite denúncia de flatulência dolosa com agravante de mira certeira — a mais antiga modalidade de assédio conjugal desde os tempos de Adão e Eva. Crime sem pena, mas com cheiro de sentença inapelável