Blog do Hayton

e outros casos” (2021) e "Frestas" v(2022).

Marta, o início!

24/12/2024 08h08
Marta, o início!

Mais uma vez a jogadora Marta foi destaque mundial. Levou o 1º “Prêmio Marta” de Gol Mais Bonito do Ano no “FIFA the best 2024”. A brasileira brilhou com uma pintura no amistoso contra a Jamaica, superando 10 candidatas e conquistando o prêmio que leva seu nome. Uma homenagem mais que merecida à Rainha do Futebol. Da carreira espetacular da atleta, todo o mundo já conhece, porém do seu início, não podemos dizer o mesmo…

Nos longínquos rincões do Sertão Alagoano o futebol feminino mundial iria escrever parte importante da sua história, assim sem querer querendo, forjado no fogo diário das paixões das coisas simples da vida. Ali brilhou uma estrela que ainda reluz…

Nos anos 1990, um grupo de amigos bancários decidiu assumir os destinos da AABB-Associação Atlética Banco do Brasil de Santana do Ipanema, sob a liderança do presidente Luiz Euclides. Gestão de clube pequeno, com recursos limitados era tarefa árdua. Muitas vezes, tinha que dar nó em pingo d’água para manter as contas em dia. Restava investir com criatividade nos esportes. Aliás, o sertão desde tempos antigos tem fama de se destacar no futebol de campo e salão.

Depois de muitos anos expostos ao sol de todo dia no sertão alagoano fomos contemplados com projeto de cobertura metálica da única quadra poliesportiva, fruto de um convênio - naquele tempo ainda possível - com a FBB-Fundação Banco do Brasil. Mas a conquista não foi mansa e pacífica, herdamos também um litígio que nos atormentou por muitos anos. No final da década de 1980 e início dos anos 1990 muitas mudanças ocorreram e, dentre elas, se extinguiram todos os subsídios e investimentos da parte do Banco e FBB às associações de funcionários.

A associação que quisesse sobreviver teria de produzir suas próprias receitas. De repente, vimo-nos entregues à sorte, apoiados na esperança, contando com a boa vontade e o talento dessa brava gente guerreira. Para fortalecer os clubes foi criada a FENABB-Federação Nacional de AABB, que até hoje atua em defesa das associações de todo o país.

Tendo a escassez como constante, somente a criatividade e união dos seus diretores poderia levar adiante o projeto de um clube integrativo que se abria à comunidade e dependia dela para sobreviver. Para manter vivo o legado, uma das saídas foi priorizar os esportes, principalmente futebol de salão, nas três categorias: Infantil, juvenil e adulto. Assim foi feito.

Com apoio da FENABB-Federação Nacional de AABB, realizamos a 1ª Copa AABB de Futsal Infantil, no período de outubro a dezembro de 1995. Dentre os inscritos, deparamo-nos com a equipe da vizinha cidade de Dois Riachos que constava do rol dos atletas uma menina chamada Marta.


Equipe Dois Riachos. Marta, no destaque
Foi impactante a exibição da hábil canhota de dribles desconcertantes e chute poderoso que logo na partida de estreia já encantou o público, fez gol e foi destaque. Dos adversários, além dos aplausos, conquistou também o ciúme com a sua flecha preta. Os times concorrentes, inconformados com o talento da estreante, entraram com recurso junto à comissão organizadora para inabilitar a presença da atleta no campeonato, simplesmente por discriminação de gênero.

Reunida a comissão formada pelos clubes interessados, árbitros e diretoria do clube, do qual eu fazia parte como vice-presidente esportivo, decidimos pela sua permanência. Representando a equipe visitante estava o senhor Júlio, conhecido como Tota, que era treinador da jogadora e do time. Argumentamos que, enquanto não tivéssemos um campeonato similar na categoria “futebol feminino”, a AABB não vetaria a participação de qualquer jogadora até como incentivo. Tanto a menina, quanto os meninos, tinham as mesmas possibilidades e estavam sujeitos às mesmas regras disciplinares, portanto não havia fundamento para retirá-la do torneio.

Superado o impasse, ali se iniciou a carreira de uma das mais brilhantes e bem sucedidas jogadoras de futebol feminino de todos os tempos. Fomos testemunhas. Naquela edição Marta foi revelação, artilheira e sua equipe campeã. Performance incontestável!


AABB Santana do Ipanema
Os contemporâneos não tinham ideia da revolução que estava acontecendo. Cada exibição do seu clube aumentava a legião de fãs. O talento inato ganhava autonomia e significado, porém ainda era preciso muita dedicação, trabalho e um longo caminho à frente. Como nem tudo são flores, era inevitável que a atleta fosse em busca do seu sonho na região Sudeste onde já havia investimentos dos clubes cariocas para profissionalização da categoria.

Alguns anos depois, no início dos anos 2000, sob a liderança do bancário Luiz Euclides e dos voluntários conterrâneos, foi feita uma campanha para custear as passagens da novel jogadora.

Inicialmente a atleta ficou hospedada na casa do carioca Marcos Roberto, amante do futebol, que havia trabalhado na AABB na época dos torneios infantis e trabalhava em um projeto social de escolinha de futebol da prefeitura do Rio de Janeiro. O coordenador da escolinha conhecia as coordenadoras do futebol feminino do Clube de Regatas Vasco da Gama, Marta Helena e Megg, que foi goleira da seleção feminina. Assim foi feita a mediação para recepcionar a jovem atleta na concentração do clube carioca. Bastou um empurrão! Bom, daqui pra frente todos já sabem…