Os sem-noção
Três semanas atrás, publiquei aqui neste espaço uma crônica sobre a chatice que gerou uma boa discussão entre os leitores, os quais, assim como eu, se identificaram como chatos ocasionalmente, o que é natural. Mas, dentro desse universo, existe um grupo que merece destaque especial: os sem-noção.
Não falo apenas daqueles que, em um churrasco entre amigos, soltam perguntas sem graça do tipo: “o que o azeite disse para o vinagre?”. E ele mesmo, em seguida, responde: “Digo nada... Só óleo”. Ou daqueles que adoram expressões de duplo sentido, como "o negócio continua de pé, só esperando uma posição sua". Aqui o problema é outro, bem mais grave.
Os sem-noção, que variam de folgados a malas sem alça, são aqueles que, sem qualquer consciência de espaço ou decoro, acreditam ser o centro do universo. Eles criticam, impõem suas opiniões, falam demais, e o pior, pensam que todos ao redor o adoram – quando, na realidade, são insuportáveis. São criaturas dignas de pena, com uma autocrítica praticamente nula.
Você certamente conhece alguém assim. Alguém que demonstra uma intimidade que não existe, fala pelas suas costas e se acha infalível em todas as áreas do conhecimento humano. Quando alguém, estarrecido com tal comportamento, exclama “Meu Deus!”, é prontamente corrigido: “Não, sou eu... Fulano de tal...”
Um amigo me contou sobre um livro espírita que retrata a Terra como um vale de provações. Os seres mais evoluídos habitariam esferas superiores, livres de trivialidades terrenas como boletos, doenças e insetos incômodos. Na minha visão, os sem-noção são comparáveis aos insetos dessa narrativa – testes para nossa paciência, que se esgota cada vez mais com o passar dos anos.
Eles são como mosquitinhos irritantes, existindo apenas para perturbar – os cachorros que o digam! – sem contribuir positivamente para o mundo. Seria ideal que predadores naturais como aranhas, camaleões, sapos, tamanduás e muitas espécies de passarinhos e peixes, além de se alimentar de outros insetos menos incômodos, pudessem erradicar essa praga. Nossos amigos caninos ficariam eternamente agradecidos.
Mas vamos falar sobre os sem-noção que encontramos todos os dias, como aqueles que nos tiram do sério no trânsito. Digo dos apressadinhos que colam na traseira do nosso carro (mesmo quando a rua está congestionada, cheia de crateras ou o semáforo à frente está vermelho) e os que ultrapassam pelo acostamento. Sem perder de vista os desgraçados que estacionam nas vagas reservadas a cadeirantes, grávidas ou idosos.
No supermercado, são os que deixam o carrinho bloqueando o corredor como se não houvesse mais ninguém ali. Quem abre o freezer, mexe e remexe tudo, não pega nada e ainda deixa a porta aberta. Ou abandonam carne, peixe ou frango descongelando fora do lugar apropriado. Sem falar dos que furam potes de iogurte ou furtam uvas. E o que dizer de quem disputa tangerinas e tomates como se estivesse na primeira infância? Ou aquele que larga o carrinho na fila, esperando que o próximo o tire da frente? Ou ainda de quem não empacota as próprias compras, esperando que o caixa termine de registrar para começar a embalar? A fauna é grande e não para de aumentar.
Minha filha, recentemente, observou que o jeito como as pessoas lidam com carrinhos de supermercado ao terminarem suas compras diz muito sobre a civilidade de um lugar. E realmente, nada fala mais sobre o conjunto de princípios e os valores de uma comunidade do que esses pequenos gestos com grandes significados.
As redes sociais também estão infestadas desses sabe-tudo que se arvoram juízes de todas as causas e distribuem sentenças a granel, ignorando o Marco Civil da Internet – criado para estabelecer o direito ao exercício da cidadania nos meios digitais, além da diversidade e da liberdade de expressão na rede. Marco, aliás, que apesar de seus 10 anos, pouco alterou a dinâmica da coisa no Brasil. A pancadaria segue comendo solta, muitas vezes em um linguajar de enrubescer a turma do “Porta dos Fundos”.
Esses extremistas, sejam de que vertente político-religiosa ou seita ideológica for, não pensam por si: apenas ecoam o que leem ou escutam, propagando desinformação e discórdia. São como os mosquitinhos que só existem para irritar nossos amigos caninos.
Os sem-noção, enfim, são um recorte fascinante e frustrante sobre a falha humana em perceber o impacto de suas ações nos outros. Eles dominam tanto as vias públicas quanto as digitais, espalhando sua falta de consciência despreocupados com as consequências. E não apenas irritam, mas refletem uma falha mais ampla em nossa sociedade: a cultura de impunidade que estimula tais comportamentos.
Com as eleições de 2024 se aproximando, é crucial refletir sobre como cada um de nós pode contribuir para uma sociedade mais consciente e responsável, desafiando a lógica de que "falar sem pensar" é aceitável. Afinal, pequenos gestos podem revelar grandes verdades sobre o caráter de uma nação.
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