Golaços sociais
Dias antes das chuvas que provocaram inundações em quase todos os municípios gaúchos, no maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul, o Juventude enfrentou o Corinthians pela segunda rodada do Brasileirão 2024. No Estádio Alfredo Jaconi, em Caxias do Sul, algo curioso chamou atenção antes do início da partida: a maioria dos jogadores usava óculos escuros.
A cena noturna poderia ser vista como um desfile de vaidades, mas, na verdade, era uma jogada de marketing da Chilli Beans. A marca aproveitou o evento com grande audiência para promover sua nova linha de produtos. Após a vitória do Juventude por 2 a 0, um vídeo viralizou nas redes sociais: o principal jogador do time apareceu como um astro de cinema, de óculos escuros (para se proteger dos flashs), simulando uma coletiva de imprensa.
Esse foi mais um episódio do chamado Marketing de Guerrilha. Criado nos anos 70 por Jay Conrad Levinson e inspirado nas táticas de guerra do Vietnã, essa estratégia busca surpreender o público com ações criativas e de baixo custo.
Além disso, campanhas criativas podem servir a causas mais nobres. A Unicef, por exemplo, distribuiu garrafas de água turva nas ruas de Nova York (ninguém se animou a tomar alguns goles) para chamar a atenção para a falta de água potável em muitos países. O mundo, alterado pelo clima, também está mudando as crianças, afetando sua saude física e mental. A ação gerou empatia e incentivou doações generosas.
No Brasil, há pouco mais de uma década, a camisa do Vitória da Bahia mudou de cor numa campanha de doação de sangue. As listras vermelhas se tornaram brancas e só voltariam ao original conforme os torcedores atingissem metas de doação. Essa campanha não só salvou vidas, mas também uniu a comunidade baiana em torno de uma causa nobre, reforçando o orgulho e a identidade local com cada gota de sangue doada.
Os problemas sociais no Brasil são muitos. Desigualdade de oportunidades, desnutrição e desmatamento são apenas alguns dos mais graves.
Marketing não serve apenas para conseguir novos clientes. Ele ajuda a fidelizar quem já conhece uma marca, fazendo com que voltem a consumir seus produtos. Quando bem-feito, expande a visibilidade junto ao grupo de pessoas mais suscetíveis a "comprar" inclusive uma boa causa associada.
Frente a tantas possibilidades, é fácil imaginar algumas campanhas que poderiam ser trabalhadas. Por exemplo, o verde da camisa do Palmeiras ou do Goiás poderia ser restaurado, a partir de um uniforme totalmente branco, à medida que novas árvores fossem plantadas.
Grandes marcas do setor agropecuário poderiam bancar campanhas para reverter a devastação ambiental. E talvez se possa estabelecer uma cota permanente de doação de alimentos por hectare desmatado legalmente (não há que se falar em compensação pelo desmatamento ilegal: aí só punição mesmo!).
Outra ideia seria tornar as camisas de Botafogo e Santos totalmente cinzas, simbolizando a baixa alfabetização no Brasil. Um cinza grafite, claro, que nos lembre a ponta do lápis que faz falta nas mãos de mais de 10 milhões de brasileiros. À medida que a taxa de alfabetização melhorasse, as cores originais retornariam.
Em caráter emergencial (com a intermediação da CBF e da Conmebol junto à Fifa), penso que se poderia discutir uma ação global envolvendo os principais clubes de futebol das maiores ligas do mundo para a reconstrução do Rio Grande do Sul. Seria um divisor de águas na história do esporte mais popular do universo, pelo menos em termos de Europa e América do Sul.
Pode parecer egoísmo pensar apenas no desastre climático brasileiro quando existem crises humanitárias terríveis assolando nações como Afeganistão, Congo, Iraque, Síria, Somália, Sudão etc. Não é. Apenas se tornaria mais fácil escorar a campanha no peso da tradição do Brasil no contexto do futebol mundial.
Esses exemplos ilustram a criatividade no marketing, mas também o potencial de transformar o esporte em um vetor de mudança. Imaginem camisas que, além de cores e patrocínios de bancos e casas de apostas, reflitam compromisso com educação, meio ambiente e igualdade social. Com sua popularidade e alcance, o futebol pode tornar a sociedade menos injusta.
E você, como gostaria que seu clube de coração usasse sua influência? Como torcedores e membros da comunidade, é preciso incentivar iniciativas que transformem cada jogo numa oportunidade de marcar golaços na vida real, onde cada tento signifique um passo a mais em direção a vitórias que transcendem as quatro linhas do campo.
Não se deve mais ver um estádio de futebol apenas como um local de diversão. Trata-se de uma caixa de ressonância de sonhos e pesadelos coletivos. O esporte mais popular, de mãos dadas com o marketing, precisa ser um instrumento de justiça social, com impactos duradouros e significativos, fazendo do mundo um lugar melhor.
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