Renovação Energética
O avanço das energias renováveis no mundo é notório e vários cenários projetam a redução da demanda de petróleo, a depender dos interesses econômicos e estratégicos de cada produtor. A Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês) mostra 2023 com uma média anual de consumo de petróleo em 102,2 milhões de barris, um recorde até hoje. Numa projeção da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), o consumo do seu produto vai aumentar até 2045. O fato é que diminuir demanda não significa acabar com ela e o poder econômico, político e militar vai continuar produzindo nos campos em operação, nos que virão para compensar os que entram em declínio e naqueles que ainda vão ser explorados.
A maior ou menor pressão para uso de energias renováveis vai ser função da matriz energética de cada país. O argumento que o Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa utilizado para inviabilizar o petróleo em nosso país não passa por uma avaliação mais apurada. Estamos entre os maiores poluidores pela forma como utilizamos a terra numa dimensão continental; não é por causa da produção de energia. Dados do Balanço Energético Nacional (BEN 2022) e da IEA, na matriz energética brasileira temos 44,8% de renováveis e 55,2% de não renováveis e o mundo apresenta 14,1% e 85,9% respectivamente. Pela matriz elétrica somos imbatíveis porque 78,1% são de fontes renováveis e 21,9% de não renováveis, enquanto que no mundo temos 28,8% e 71,2% respectivamente. O desafio mundial é aumentar a participação das fontes renováveis na geração de energia para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. Para eles, renováveis são eólicas, solares e hidrogênio verde. Para nós, além disso, biomassa, etanol, biogás, biometano, biodiesel, hidráulica e hidrogênio sem preconceito de cor. Portanto, nossos desafios são mais específicos.
Um deles é como melhorar nosso índice de renovabilidade energética (relação entre renováveis e não renováveis), passando atualmente de 0,886 (dados de 2023) para ser superior a 1 (hum). Na matriz energética, o foco das discussões deve estar nos transportes, responsável por 47% das emissões e na indústria, nos subsetores de difícil descarbonização. Se ainda vamos precisar de petróleo/gás, se um campo que inicie sua produção em 2030 estará produzindo muito pouco em 2050 e o nosso óleo é de excelente qualidade, podemos continuar explorando novos campos e aumentando a produção ficando muito bem posicionados na questão das emissões pela geração de energia.
Para tal, existem duas grandes questões: os argumentos dos ambientalistas e o financiamento. O que significa mesmo todos os países perseguirem uma meta da temperatura da Terra não aumentar, em média, mais que 1,5°C até 2100? Vários cientistas questionam o IPCC, dizem que o CO2 é o gás da vida, o aquecimento evidente é função dos movimentos do sol e que teremos um período de resfriamento em meados da próxima década. Certamente que novas plataformas deverão surgir em maior tamanho, com tecnologias voltadas para a redução das emissões, captura do carbono, que resultará num capex de US$ 3 bilhões, cada. As linhas de financiamento para produção de energia fóssil a cada dia estão mais difíceis ou pela redução do seu percentual em carteira ou até mesmo parando de financiar.
O pré-sal começa a dar sinais de saturação e a oportunidade de exploração da Margem Equatorial já produz frutos do poder em outros países. Esse cenário precisa de muita sensatez, fazer os estudos necessários com maiores critérios e cercar todas as possibilidades de ocorrências que possam comprometer o meio ambiente. Mas é uma oportunidade não desprezível porque, ao longo do tempo, tanto a estatal, como as petrolíferas privadas, tem apresentado muita competência e responsabilidade no trato dessa questão.
Muitas perguntas precisam ser respondidas nesse nosso país diferenciado em renovabilidade energética. No cálculo das emissões, usamos o “princípio da conservação de energia”? Temos uma visão completa do ciclo de vida de um produto, quanto de poluição existe desde a retirada da matéria-prima da natureza, transporte, processo industrial, operação, manutenção e descarte? Em que situação é viável o carro elétrico? É só fazer uma comparação com o preço da energia elétrica a ser utilizada? Se as baterias são importadas e produzidas em países altamente dependentes de combustíveis fósseis, isso não é levado em conta no cálculo das emissões do veículo? A recarga desses veículos será durante o dia ou à noite? Isso muda o perfil de carga do sistema elétrico, que tanto poderá melhorar a utilização das linhas de transmissão e subestações, como exigir muito mais investimentos do que os previstos pelos critérios atuais.
Em que situações o veículo híbrido é mais viável? É preciso estudar que a disponibilidade de etanol como combustível (bagaço-de-cana, milho, soja) deverá aumentar a pressão sobre os recursos naturais e vai requerer um planejamento ainda mais integrado dos setores elétrico e agrícola. Quais as “cores do hidrogênio” necessário que se pretende produzir? E os investimentos em segurança nas instalações e transporte do hidrogênio? Poderá haver compartilhamento do gás natural com o hidrogênio nos gasodutos de transporte ou teremos gasodutos específicos? É possível evitar o passeio da energia existente nas fases do “princípio da conservação de energia”?
O outro desafio é manter o índice de renovabilidade elétrica levando em consideração que atualmente já temos 16% da nossa eletricidade gerada por eólicas e solares, com perspectiva de crescimento para 20% em 2031. Os sistemas de armazenamento que estão chegando poderão ser de larga escala, haja vista a necessidade de segurança na rede elétrica para a integração das fontes variáveis. Os serviços ancilares vão aumentar, mas qual regulação será necessária para viabilizar os exigidos pelas renováveis? E se a fusão nuclear produzir pastilhas minúsculas com eletricidade quase infinita? O apagão de 15 de agosto de 2023 mostrou que não estamos preparados para o futuro aumento das renováveis intermitentes em nosso sistema. Se a transição energética deve ser justa, quem vai pagar a conta? (Valor Econômico, em 05/01/2024)
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