Campanha maligna contra o humanitarismo
Dentre as polêmicas que agitam o País no tal “clima de polarização”, uma das mais emblemáticas envolve questão religiosa: a tal Comissão de Inquérito que, na Câmara Municipal de São Paulo, pretende constranger um ícone da caridade: padre Júlio Lancellotti.
Como se sabe, com suas práticas franciscanas e solidárias aos viventes nas ruas, o padre em questão tem revirado as tripas mentais da extrema-direita, provocando urros e rangeres de dentes nos seres impiedosos. Querem pegá-lo e não é de hoje.
Sua fama alastrou-se como péssimo exemplo para a extrema-odiosidade, a partir de suas atitudes compassivas, cometidas na capital paulista. Apesar de não ser o único a fazer esse tipo de ação, praticada também por pessoas de outras religiões e até por gente sem crença alguma, a profunda solidariedade do ser Lancellotti choca a desumanidade.
PEGA O PADRE!
Segundo Rodrigo Ratier, do UOL, o vereador que propôs a CPI, um tal de Burrinho Nunes (copiei certo o nome?), declarou, em vídeo: “a CPI vai investigar as entranhas dessas ONGs que levam uma bagatela de dinheiro para simplesmente explorar a miséria [na Cracolândia]. Eu vou fazer um Raio-X, vou fazer um exame nas entranhas desse sujeito. Todo mundo vai saber o que tem por trás do Lancellotti. Esse padre vai ter de prestar esclarecimento na Câmara. Vou arrastar ele pra cá em coercitiva, nem que seja algemado. (...)”.
Arrastar o padre coercitivamente, algemado, para o afrontar nalgum local de exposição pública é o sonho, a meta dos Burrinhos Nunes que pululam no caldo de cultura do bolsonarismo. Essa gente considera todo trabalho social um atentado à sua aporofobia, e abomina quaisquer gestos de solidariedade humana com os mais pobres.
No caso do padre dos miseráveis das ruas paulistanas, esse ódio é multiplicado por vê-lo como “petista”, “lulista”, “esquerdista”. É mais ou menos como se um nazista alemão dos anos 40 topasse com um judeu preto comunista: ia querer matá-lo três vezes, no mínimo.
PODRIDÃO MAIS FUNDA
Ao insistir em se manter mesmo com a constante retirada de nomes de vereadores em sua lista de apoio, a tal CPI comprova quão enraizada está a degenerescência ideológica/moral que o bolsonarismo não criou, mas tornou-se canal de aglutinação.
Se tal iniciativa não rendesse votos e prestígio para a fauna política que nela embarca e a empurra, já estaria largada na beira da estrada. Desgraçadamente, esse pântano é maior e mais fundo que as deformações pessoais do próprio mito.
Intolerância, ódio, ignorância, arrogância, machismo, incultura, armamentismo, racismo... São produtos do culto a um deus intolerante, machista, arrogante, odioso, ignorante, inculto, armamentista, racista... A adoração a um deus que, além dos defeitos citados, detesta pobre, é o mal que une esses “homens de bem”.
Nesse universo deísta de desigualdade e desumanidade, de messias sanguinolentos, é puro pecado o gesto do padre Júlio e tantas outras pessoas e organizações caridosas que vão às ruas praticar o que consideram o tal “amor ao próximo”.
Pode não sair do papel a tal CPI paulistana. E, se acontecer e detonar o padre Júlio, em nada vai atrapalhar o trabalho dele nem de outras pessoas que pensam e agem como ele. Na verdade, esse auê todo só o fortalece e a quem lhe é semelhante.
Porém, o preocupante – independente da CPI – é que essas ideias, reencarnações de almas sebosas, se espalham e crescem Brasil afora. Denunciar a iniciativa do tal vereador paulistano, que se tornou fato nacional, é ação de defesa do humanitarismo e ato (não confundam com auto) de fé na solidariedade.
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